O ser humano é do jeito que conhecemos há 200 mil anos, e somos frutos da evolução. Postura ereta e destreza manual são apenas algumas características que apareceram no decorrer do tempo e definem o Homo Sapiens. Mas sem dúvida o que nos faz especiais é nosso cérebro.
Capacidades como raciocínio lógico, linguagem e introspecção são aspectos que nos trouxeram tão longe e nos diferencia dos outros animais.
Geração após geração, a seleção natural moldou nossas mentes tendo como premissa a sobrevivência da espécie. Comportamentos que hoje parecem sem sentido se originaram nas mudanças ocorridas durante a evolução do cérebro. Se temos medo do escuro, sentimos ciúmes ou mentimos, é porque isso foi útil em algum momento durante a longa caminhada da humanidade.
Entender o que está por trás do comportamento humano é uma vantagem em qualquer situação, e isso é especialmente verdade para quem trabalha no e-commerce. Vamos ver por quê.
Somos todos contadores de histórias
A linguagem existe há 60 mil anos, e desde então gostamos de ouvir e contar histórias. Elas sempre foram o melhor jeito para ensinar, e isso é explicado pela neurociência. Ouvir uma história ativa diversas áreas no cérebro e faz as informações serem mais facilmente absorvidas do que dados sem contexto.
Elas também nos colocam no lugar dos outros, o que, junto com outra especialidade da mente, o reconhecimento de padrões, ajuda a aprender com experiências passadas e prever acontecimentos futuros.
Essa programação mental que favorece as narrativas pode ser usada de duas maneiras: para analisar o comportamento do consumidor e para planejar sua experiência.
O que motivou o consumidor a entrar no site? De onde ele veio e com qual propósito? Quais foram os desafios que ele enfrentou? Transformar dados e pesquisas em histórias fará você ter uma leitura mais completa de seu comportamento.
Um benefício adicional é a facilidade em disseminar esse conhecimento dentro da empresa. Seja em uma reunião ou infográfico, uma boa história sempre ganha de uma planilha.
O mesmo vale para os responsáveis pela experiência de compra. Falando sobre usabilidade, o comum é pensar em termos de páginas. Focamos em detalhes como a posição de uma vitrine ou a cor de um botão e nos esquecemos do contexto. Os elementos também são importantes, mas vêm depois. Para ver o todo e ter a perspectiva correta, primeiro pensamos na jornada do consumidor.
Um ponto que merece atenção é o crescimento do mobile. O argumento a favor das histórias continua válido, mas existem diferenças levando em consideração os micromomentos? Devemos contar histórias mais curtas? Ou com mais episódios? É uma provocação válida, porque sabemos que agora a prioridade é o mobile.
As pessoas olham e imitam as outras pessoas, que olham e imitam outras…
Como disse Aristóteles, os homens são, por natureza, animais sociais. A formação de grupos buscando proteção mútua, troca de informações e distribuição de tarefas fez nosso cérebro evoluir e se tornar proporcionalmente gigante, com a principal função de lidar com as intrincadas relações sociais.
Por isso, o que os outros pensam e fazem importa muito para nós. Por mais difícil que seja admitir, nosso comportamento acaba sendo mais um reflexo de nossos pares do que traços da nossa incrível personalidade.
Essa necessidade de pertencer e buscar exemplos acontece inconscientemente, se chama validação social e fica ainda mais forte em situações nas quais não sabemos o que fazer. Mas o que Aristóteles não sabia é o quanto isso seria importante num e-commerce.
Nem sempre o consumidor no seu site ou app sabe o que quer. Algumas vezes, ele tem uma missão clara, como substituir uma batedeira quebrada. Outras vezes, está namorando um smartphone novo, ou só vendo vitrines.
Em todas as situações, essa tendência em olhar o comportamento dos outros pode transformar uma visita numa conversão. É aí que entram as regras de recomendação.
Imagine alguém que precisa de uma nova máquina de lavar. Ele tem dezenas de opções e não é especialista em lavanderia. Mesmo limitando a procura pelo orçamento, ainda existe uma série de possibilidades.
Quando você mostra que pessoas como ele tomaram determinada ação, você apela diretamente para o animal social. Não existe argumento mais forte.
Já no produto, é desnecessário dizer que os melhores avaliados convertem mais. O interessante é que uma maior quantidade de avaliações por si só também aumenta a conversão. Incentive sistematicamente as avaliações e as use sempre que puder para ressaltar um produto ou serviço. E vale lembrar que isso também é bom para sua loja. Quanto mais pessoas estiverem interagindo com sua marca, maior sua credibilidade.
Opções demais, decisões de menos
Em qualquer aspecto da vida, queremos ter opções. Seja o sabor do sorvete ou onde vamos morar, quanto mais opções melhor, certo? Não necessariamente. Diversos estudos chegaram à mesma conclusão: quando confrontados com uma grande quantidade de opções, escolhemos não escolher.
Uma das razões para isso é que o cérebro trabalha de dois modos: o sistema 1 e o sistema 2, ou automático e voluntário. Na maior parte do tempo, estamos no automático, mas quando temos que realizar atividades complexas, como tomar decisões, mudamos para o voluntário.
O problema é que o processo voluntário é lento e gasta mais energia, e seu cérebro sempre vai te forçar a voltar para o automático.
Decidir entre uma impressora ou multifuncional, jato de tinta ou laser, monocromática ou colorida, wireless ou não, de marcas, tamanhos e modelos diferentes, quando você só queria imprimir recibos, pode ser demais para qualquer um. Mas existem meios de amenizar esse sofrimento.
A solução não é ter menos modelos à venda, é a categorização. A melhor maneira de o cérebro lidar com grandes quantidades de informação é agrupá-las em poucas categorias relevantes e ir aprofundando, começando pelos grupos com o menor número de opções e terminando com os de maior número.
Fazendo o paralelo, primeiro eu escolho quais países vou conhecer nas férias, depois escolho entre dezenas de cidades, centenas de hotéis e milhares de passeios.
O mesmo vale no processo de checkout, no qual o ideal é que o consumidor decida uma coisa de cada vez. Primeiro, ele vai escolher onde quer receber seu pedido, depois a forma de envio, custo de frete, forma de pagamento. Uma coisa de cada vez. Melhor um passo a mais do que várias decisões ao mesmo tempo.
Neurociência no dia a dia do e-commerce
As aplicações da psicologia do comportamento no dia a dia de um e-commerce são infinitas. Quanto mais você souber sobre seu consumidor, melhor você conseguirá atendê-lo, com menor esforço e maior resultado.
Para terminar, traço mais algumas relações entre elementos do e-commerce e conceitos básicos da neurociência que podem ser úteis:
Pesquisas são ótimas para ajudar a entender o que o consumidor pensa sobre seu e-commerce, mas algumas vezes a resposta pode não ser tão verdadeira. As pessoas gostam ou não gostam de algo sem ter razões concretas.
É apenas emocional. Mas quando questionadas elas criam uma resposta que encaixa com o que elas sentem. Em outros casos, por causa de um fenômeno chamado desejabilidade social, participantes podem enviesar suas respostas na tentativa inconsciente de agradar o pesquisador. Faça as perguntas corretas e filtre as respostas.
Emoções têm uma relação direta com a memória. Histórias carregadas de emoção são melhores armazenadas e seus circuitos cerebrais têm intersecções importantes. Sabemos que o consumidor vai se lembrar mais de um problema que teve do que de um desconto que aproveitou.
Isso acontece porque, durante a evolução, foi mais útil se lembrar das coisas ruins, como quais plantas não são comestíveis ou como não se comportar próximo a um predador.
O lado bom é que, diferentemente do que pensamos, as memórias não são filmes gravados que revemos, e sim trechos incompletos que reeditamos a cada sessão. Se um problema acontecer, seja transparente, atencioso e resolva rápido. O final da história tem sempre peso maior que o início.
Devemos aceitar de uma vez por todas: você não é o seu consumidor. Ele não quer a mesma coisa que você, não tem o mesmo background e, principalmente, está em outro contexto.
Ele não vai ficar admirando aquele hotsite caprichado tentando encontrar a informação que precisa, ele não vai ler o seu texto gigante sobre um produto, e ele com certeza não vai se esforçar para entender um fluxo de navegação confuso.
Parece óbvio, mas é surpreendente a quantidade de vezes em que trocamos os pés pelas mãos por decidir nos baseando em opiniões pessoais. Em vez de usar o gosto pessoal, feeling e intuição, use dados, testes e pesquisas. Eles estão aí para isso.