“Os shoppings centers deixarão de existir, no máximo, em cinco anos”. Ouvi essa frase no ano de 1998 durante uma palestra que consumiu 60 minutos do meu tempo para ensinar o que era B2B e B2C no e-commerce. 20 anos depois, estive em Austin, onde vi o CEO da Waymo, startup do Google para carros autônomos, prometer milhares deles tomando as ruas em dois anos.
Um ano antes, 30 novos shoppings foram inaugurados no Brasil. Há cinco anos, participei de um debate em que fui desafiado pela colega no palco: “Você verá: em três anos deixará de existir qualquer tipo de tela, tudo será vestido, projetado etc”. Muitos foram além prevendo robôs por toda a parte, o fim da profissão de advogado, Marte sendo colonizado, carros voadores e pizzas entrando pela janela penduradas em drones.
O futuro é o mais delicioso e picareta dos conteúdos.
Quando foi mesmo que passamos a viver de futuro?
O futuro é o mais delicioso e picareta dos conteúdos. Delicioso porque fascina, picareta porque jamais precisa ser documentado e raramente é lembrado quando não se concretiza.
O badalado Chris Anderson, então editor da famosa Wired, profetizou na capa da revista em 2010 (sim, 12 anos atrás): The web is dead. Até então, já haviam tentado matar o rádio, o cinema, a televisão, o shopping center e até o e-mail, mas a web? Ele previa que os apps tomariam o lugar da Internet. Anos depois, outra revista anunciou a morte do quê? Dos apps… Sim, haja paciência. Nem um nem outro; aliás, nem o cinema nem o rádio.
Mas há um problema ainda maior por trás dessa brincadeira de gente grande. Todos os anos, a cena se repete nos maiores eventos do mundo, como WebSummit, SXSW, NRF, entre outros. O assunto do momento nos eventos jamais é a segunda de manhã, mas sempre a quinta à noite. Como todos sabem, o empresário está sempre às voltas com a manhã de segunda quando abre a empresa e precisa faturar. A quinta à noite é reservada para o happy hour com colegas e para a baladinha básica que fecha a semana.
O que está no foco hoje?
Os assuntos da moda são metaverso e NFTs. São milhares de horas e gigabytes de conteúdo cujo prazo de validade não ultrapassa três meses. Mas não são apenas os grandes eventos. Entidades de classe chamam os associados para palestras com o marketing do medo: “Se sua empresa não estiver no metaverso, ela morrerá”. E se estiver, provavelmente morrerá de tédio, responderia eu.
As novidades são importantes? Sim. Mas não para tirar o protagonismo do conteúdo urgente, aquele da segunda de manhã. As dependências das bigtechs, o desafio de aproveitar o marketplace sem ser pelo menos “comoditizado” (ou engolido) por ele. O fim das lojas online? O site, onde anda? E o e-mail marketing, como ter resultado com ele? SEO, ads, conteúdo. Tudo sendo deixado nos palcos paralelos, enquanto nos principais coachs e futuristas sem fim se revezam.
Num dos últimos eventos a que fui assisti a um desses colocar no seu moderníssimo PPT: “Há uma diferença entre saber o caminho e percorrer o caminho”. Sim, a frase do personagem Morpheus, de Matrix, um filme de 1999. Em cena, eles usavam incríveis celulares analógicos com telas de fósforo verde. Não satisfeito, qual o próximo slide? A clássica foto do Morpheus com as pílulas azul e vermelha. A sutilíssima sugestão do palestrante era que os empresários e os marqueteiros da plateia escolhessem se abriam os olhos para o futuro, que já havia chegado, (metaverso, NFTs, carros autônomos, bocejo – ops, esse fui eu) ou se continuavam imersos numa realidade paralela. Ele foi aplaudido efusivamente ao final.
Déjà-vu?
Posso estar sendo apenas ranzinza, mas a impressão é de déjà-vu (olha eu citando Matrix também). Uma sensação de déjà-vu ano após ano, em que futuristas se revezam desviando nossa atenção para novidades que jamais chegam. Ou que, pelo menos, estão demasiadamente atrasadas.
Por isso que minha torcida é para o futuro chegar até as 8h da próxima segunda-feira. Se atrasar, é certeza de que chegará apenas na quinta à noite. Quatro dias de faturamento perdido. Déjà-vu. Ops, maldito corretor. De novo, quis escrever….
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