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Uma certeza: a jornada de compra figital chegou a FMCG

Por: Felipe Mendes

Vice President, Tech&Durables Latin America

31 anos de experiência profissional, sendo 12 como Presidente para empresas multinacionais de data analytics no Brasil e América Latina, além de 2 anos como líder de unidades de negócio. Sua atuação prévia se concentrou em posições de liderança, no Marketing de empresas referência em bens de consumo, como Mondelez e Unilever, no Brasil, Chile e México. Atua como investidor-anjo e mentor de startups, com o objetivo de maximizar o seu capital, mas também aprender mais sobre o desenvolvimento dessas empresas, apoiando a avaliação do “market fit”, o modelo de captura de valor do negócio, o “go to market” e a preparação para o “scale up”. É articulista dos Portais "Exame" e "Consumidor do Moderno", bem como coautor dos livros “Experiências que deixam marcas, Vol. 2” e “Do limão uma limonada: as respostas dos líderes à pandemia”, além de palestrante em eventos de Tecnologia, Tendências e Varejo.

Temos visto um crescimento muito interessante no e-commerce de Bens de Consumo de giro rápido no Brasil nos últimos meses. Ainda assim, o % de representatividade é baixo, o que gera a inevitável pergunta: quanto isso poderá chegar? Para tentar responder a estar pergunta, fui atrás de dados da GfK na Europa.

Um nicho até 2019

Antes da Covid-19, o “Canal” e-commerce de FMCG podia ser considerado um nicho, com 5,8% das vendas. Esse percentual o igualava ao Canal Farma, ficando um pouco a frente de Lojas de Conveniência. Via-se um percentual um pouco mais desenvolvido em bebidas destiladas e vinhos, alimentação gourmet e ofertas especiais para consumidores veganos e alérgicos.

Importante comentar que, se excluíssemos o Reino Unido (7,5%) e a França (6,3%) desses números, o % cairia para algo próximo a 3,5%.

Por outro lado, pensando em crescimento, quando comparamos vendas de 2019 com 2018, o canal variou +22% para FMCG, enquanto o total de FMCG cresceu apenas 2,4%. Olhando essa informação por outro ângulo, 45% do crescimento de todas as vendas de FMCG na Europa veio através do e-commerce, portanto uma óbvia necessidade de investimento.

A explosão em 2020

Assim como observado no Brasil, aqueles países com menor participação do e-commerce nas vendas, tiveram as maiores explosões. Em comum com o Brasil está o fato de serem países com menor renda média, quase todos do Leste Europeu. Croácia (+106%), Bulgária (+97%) e Ucrânia (+85%) lideraram os crescimentos em 2020, porém terminam o ano com participações pequenas nas vendas (0,9%, 0,4%, e 0,4% respectivamente).

A Itália em destaque

O quarto maior crescimento (+76%), no entanto, vem da Itália, que chega a 2.9% das vendas de FMCG no e-commerce. É de conhecimento de todos que o lockdown italiano foi um dos mais agressivos em todo o continente, impulsionando as vendas online. Até então, a tradição italiana de comprar comidas frescas no país impedia o desenvolvimento do Canal para FMCG, porém para outras categorias esse % já era bastante mais desenvolvido.

O percentual de lares que compraram FMCG no e-commerce cresceu 9 pontos, chegando a 39%. Ainda mais impactante, o gasto médio anual passou de €135 para €180 (+33%).

O crescimento na Itália teve algumas características semelhantes ao Brasil: andou muito mais rápido entre os compradores de classes mais altas, de 35-54 anos, nas regiões de Milão e Roma. Outro elemento relevante foi que os Varejistas com presença “omnichannel” foram os grandes ganhadores em 2020. Desde o início, o serviço Click&Collect foi priorizado, sendo gradualmente ampliado para Entrega em Casa e Drive Thru.

Em termos de execução, a tradicional rede “Esselunga” capitalizou o fato de já ter uma melhor presença online e cresceu rapidamente, porém este crescimento não foi sem dores, pois a rede teve que entregar cartas de desculpa a seus clientes no início do lockdown, em função dos atrasos nas entregas.
­­A GfK entrevistou os compradores online da Europa no mês de Maio e 20% dos italianos afirmaram que “comprariam mais produtos de mercearia online, se o prazo de entrega fosse mais curto”, sendo de longe os mais críticos, demonstrando o impacto adverso do crescimento abrupto.

­O impacto da logística junto aos compradores

Como esperado, a logística foi o grande desafio para todos os operadores, sejam Omnichannel ou Pure Players, porém a crise estimulou uma revisão da cadeia de valor dos varejos com lojas físicas, que estimularam de maneira desproporcional ao modelo de Click&Collect, inclusive como forma de rentabilizar a operação. O CEO do Rewe Group, Lionel Souque, colocou um objetivo ambicioso, de realizar 90% das suas entregas através do C&C, número que era de apenas 40% na metade do ano passado.

Este modelo apresenta vantagens importantes, em especial para a Mercearia, uma vez que permite uma melhor coordenação dos tempos entre a necessidade da compra (digamos, vegetais para uma salada) e a retirada da mesma, além de economiza o tempo do comprador em realizar o pick up nas lojas. No entanto, há um custo óbvio associado a esse modelo e, em alguns países como a Alemanha, os compradores não aceitaram pagá-lo. Outra barreira é a qualidade dos produtos frescos, especialmente, já que como bem disse Belmiro Gomes, do Assaí, em uma live que participamos juntos: “o tomate que eu escolho é mais vermelho que o tomate que o Rappi escolhe, ainda que seja o mesmo”.

Há espaço para os pure players: o Picnic que deu certo

O “Picnic”, que se autodenomina “supermercado online”, foi fundado na Holanda em 2015, expandindo-se a Alemanha em 2018. Ainda que a consolidada rede Rewe lidere a venda de FMCG no e-commerce, Picnic conseguiu sucesso na região da Renânia do Norte-Vestefália.

Esta região alemã, com as cidades de Dusseldorf, Colônia e Dortmund, faz fronteira com a Holanda e sua população é ligeiramente maior que a do país vizinho, com quase 18 milhões de habitantes.

Parte importante do sucesso inicial na Holanda foi realizar a entrega sem custo com um ticket médio menor que o líder em e-commerce na época, Albert Hejin. Além disso, Picnic se associou a uma rede com lojas físicas na Holanda, repetindo essa estratégia na Alemanha, com a rede Edeka, que terminou se tornando acionista da Picnic.

Outro fato interessante é que a rede Picnic trabalha com mentalidade 100% digital, com riqueza em armazenamento e utilização de dados, além de alto nível de desenvolvimento de funcionalidade nos seus apps. Porém, ao definir regiões específicas para se desenvolver, consegue gerenciar melhor sua logística, serviços adicionais e até o portfolio oferecido, em base aos hábitos locais.

Muitas alternativas, uma única certeza: a jornada de compra figital chegou a FMCG

Em resumo, pese sempre olharmos para China ou Estados Unidos quando pensamos em estratégias de e-commerce, os hábitos e características sociais de distintos países europeus parecem ser uma boa fonte de “benchmark” para estratégias de FMCG. Pesem as dimensões geográficas serem absolutamente diferentes entre o Brasil e estes países europeus, os modelos de Click&Collect ou a regionalização das redes pode naturalmente ser inspiração para supermercadistas em cada um dos estados, em relação a serviços, portfólio e logística.

No Brasil, estamos vendo o crescimento dos marketplaces de maneira mais acelerada que na Europa, para FMCG. Igualmente está o incrível apetite dos varejos tradicionalmente não alimentares em direção a esse portfolio. Resta aos Supermercadistas avaliarem todos esses modelos e tomarem suas decisões estratégicas, já que é certo que o comprador de FMCG irá realizar jornadas figital em suas distintas missões de compra.