Criado em 1894 nos Estados Unidos, o absorvente menstrual tem sido durante décadas o queridinho durante o ciclo. Acontece que a maioria deles possui 90% de plástico na sua composição, um material que não pode ser reciclado e leva cerca de 400 anos para se decompor na natureza, poluindo a terra, água e ar durante o processo.
Durante a vida, uma pessoa pode usar cerca de 15 mil absorventes e acumular 200 quilos de resíduos do produto, segundo o Instituto Akatu. O problema do meio ambiente está longe de ser resolvido, mas algumas empresas têm se empenhado em desenvolver alternativas sustentáveis para diminuir a produção de lixo e combater a pobreza menstrual, como a Pantys, marca criada em 2017, unindo sustentabilidade e tecnologia ao trazer calcinhas absorventes reutilizáveis para o mercado brasileiro.
A cofundadora, COO e CFO da Pantys, Maria Eduarda Camargo, bateu um papo com o E-commerce Brasil sobre sustentabilidade, o papel das lojas físicas e do conteúdo online na construção de comunidades engajadas. Confira a entrevista completa:
ECBR: Como surgiu a ideia de criar a Pantys e qual o impulso por trás da decisão?
Duda Camargo: Minha família sempre trabalhou com lingeries e pijamas no Nordeste, cresci no mundo da lingerie, mas não imaginei que trabalharia com isso. Sou formada em Administração no Insper, achei que iria para o mercado financeiro, e até comecei a fazer isso, mas em pouco tempo, vi que não brilhava meus olhos. Além disso, sempre tive alergia aos absorventes descartáveis e levei essa relação por anos porque as opções que tinham eram aquelas e não existia muito questionamento sobre.
O começo também está ligado à minha sócia, Emily, que me falou da onda de calcinhas impermeáveis lá fora. Achei a ideia super legal e o conceito bacana, então nos inspiramos nele, usando uma tecnologia têxtil mais poderosa de absorção. Fiz muitas pesquisas de mercado no Centro de Pesquisa do Insper, o que nos ajudou muito. Através dos dados, vimos que as pessoas estavam insatisfeitas com os produtos devido aos vazamentos, falta de conforto, sustentabilidade, alergia e pelo lado econômico.
Quando criamos o conceito, nos baseamos nessas dores e fizemos uma calcinha tão confortável quanto uma calcinha comum, com uma tecnologia de absorção duas vezes maior que um absorvente normal para evitar vazamentos. Por ser um produto hipoalergênico, previne alergia e irritação, além de ser reutilizável, com viés de sustentabilidade, redução de lixo e economia. Na primeira impressão parece que é mais caro, só que na ponta do lápis, o produto se paga em poucos meses e traz economia financeira.
ECBR: Como a Pantys aborda a questão da sustentabilidade em sua cadeia de produção, desde a escolha dos materiais até o processo de fabricação?
Duda Camargo: Desde o início nos desafiamos a levantar essa bandeira de forma mais forte e significativa. No começo, falamos da não geração de lixo, depois veio a parte da cadeia produtiva, onde o modal tem baixa pegada de carbono e a matéria-prima de poliamida comum foi trocada para uma biodegradável, o fio Amni Soul Eco, feito pela Rhodia.
Na comparação com um produto absorvente, muitas vezes composto por plástico, que demora até 500 anos para se decompor, uma calcinha de algodão ou poliamida leva 100 anos e a biodegradável leva três anos após o descarte no aterro sanitário.
Transformamos todos os produtos e a cadeia produtiva para carbono neutro, mapeamos desde a origem da matéria-prima até a produção final das peças, consumo e descarte. Se a pessoa olhar o verso das embalagens da Pantys, vai ver que todas têm uma pegada de carbono neutralizado, investido em projetos de reflorestamento, energia eólica e destruição de lixo. A gente traz essa transparência e esses dados para o mercado em cada modelo.
Também estamos com um novo projeto de transformar todos os resíduos da produção em combustão para energia renovável. É mais um passo para nos posicionarmos como uma empresa sustentável, uma luta diária que nos motiva. Estamos sempre buscando novos projetos ou melhoria nos projetos existentes, tudo pode ser otimizado e aplicado como estratégia.
ECBR: Por que a marca decidiu apostar nas vendas no varejo físico também? E por que investiram numa loja conceito?
Duda Camargo: No começo era 100% online, acreditávamos que o e-commerce era o futuro e conseguiríamos chegar em todas as pessoas. Após dois ou três meses, surgiu a oportunidade a abrirmos uma loja pop-up na Oscar Freire.
Naquela hora, não pensamos no lado comercial, e sim no marketing. Era uma marca e categoria nova e as pessoas tinham dúvidas se o produto funcionava, se era higiênico ou se parecia uma fralda. Fomos vendo que usar o espaço físico no começo ajudaria a parte de construção de marca e validação da categoria em si: as pessoas podiam tocar e ver que parecia uma calcinha comum.
Foi um movimento importante de validação e de marketing, sempre quisemos trazer isso num formato conceito, com mais informação – esse lado instagramável, de inspiração e abertura de diálogo veio forte desde a primeira loja e chamou muita atenção. Como o ponto físico e a localização dela ajudou a trazer uma validação de que é uma marca real e o produto funciona.
Tinham vários finais de semana com fila na porta, e para nossa surpresa, a loja foi um estouro. A ação que tomamos como prejuízo começou a trazer uma lucratividade muito rápida. Ela foi ficando outros meses, até percebermos que era um ótimo ponto comercial e de marketing, que alimentava tanto o online como o offline. Deu para ver a importância do canal físico nessa categoria ainda muito nova, fomos as primeiras na América Latina.
ECBR: Como as operações do e-commerce e do físico estão integradas?
Duda Camargo: Somos uma empresa totalmente omnichannel, com toda parte de experiência de compra fluida: a pessoa pode comprar na loja física e devolver pelos correios, vice-versa; comprar em uma loja e trocar em outra. Além disso, toda a parte de comunicação e lançamento de produto acontece em real time em todos os canais, dando preferência em qual deles a pessoa quer consumir.
A experiência de entrar numa loja da Pantys é como entrar no nosso Instagram ou site. Olhando esses movimentos lá de fora e como a própria categoria era uma fonte de inspiração, trouxemos essa praticidade para experiência de compra. Agora é uma coisa mais comum, em 2017 era algo muito raro, as pessoas tratavam CNPJ, filial de uma forma separada e restrita em relação às opções do que poderia ser feito. Foi algo que investimos e deu muito certo.
ECBR: Como vocês utilizam as mídias sociais e outras estratégias de marketing digital para aumentar o engajamento com o público?
Duda Camargo: Nossa maior parcela de consumidores são pessoas muito jovens entre 25 a 35 anos que têm independência financeira. Claro que vemos um engajamento pelas redes sociais das gerações mais novas, só que os dados de compra não nos deixam enxergar isso; muitas vezes esses consumidores dependem dos pais para comprar.
Utilizamos mídia social, conteúdo e comunicação como um produto da empresa, precisamos alimentar as redes sociais, blog e lojas com conteúdo relevante para o consumidor, assim ele não se desliga da marca, independente de estar ali para comprar ou consumir esse conteúdo.
Depois dos investimentos em aquisição, a mais cara do modelo de negócio das empresas de e-commerce, trabalhamos essa frequência do cliente no canal, justamente para construir uma comunidade cada vez mais sólida e ser a marca nº 1 quando ele pensa na categoria, pois sempre vão existir novos concorrentes. A nossa estratégia é ter o melhor produto e também ser uma marca relevante.
ECBR: Quais são os planos de expansão?
Duda Camargo: Na pandemia, expandimos para o canal de B2B com um portfólio menor, atuando com outros lojistas, alguns marketplaces e farmácias. Também fizemos collabs com a Sempre Livre, FARM, Loungerie, Malwee, Rip Curl, Hering e outras.
Agora foco é expandir para fora de São Paulo, estamos vendo a demanda das nossas lojas conceito em outras capitais. No final de 2020 para 2021, fizemos uma expansão internacional, tanto do e-commerce, que é global e entrega no mundo inteiro, e também dos revendedores. Atuamos na França, Inglaterra e Holanda, onde tivemos a maioria dos revendedores físicos e principais ativações.
Como a Galerie Lafayette, grande loja de departamento de moda em Paris. Fizemos a ativação de uma loja de 52 m² durante quatro a cinco meses e o feedback dos lojistas foi muito positivo. Não só pelo portfólio que a gente tinha, mas também pela valorização deles dos produtos brasileiros de lingerie e moda praia. Foi uma forma positiva da validar a marca lá fora, o que trouxe muita força para o online.
Nossa tecnologia é autoral, patenteada em diversos países e a única clinicamente testada, embora o mercado não seja regulado. Essa é uma demanda de consumo global, todo mundo precisa de produtos menstruais, tendo essa validação para trazer mais conforto, funcionalidade e segurança. Por que não levar para outros países que sofrem as mesmas dores que o Brasil?