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Sustentabilidade na moda online: como o setor está se adaptando aos 'novos tempos'

Por: Dinalva Fernandes

Jornalista

Jornalista na E-Commerce Brasil. Graduada em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade Anhembi Morumbi e pós-graduada em Política e Relações Internacionais pela FESPSP. Tem experiência em televisão, internet e mídia impressa.

As restrições de circulação impostas para impedir o avanço da pandemia de Covid-19 interferiram diretamente no setor varejista de moda. O e-commerce foi a forma encontrada para manter a expansão da categoria, e os números mostram isso. Moda e Acessórios teve crescimento de 48,9% no comércio eletrônico em março de 2020 em relação ao mesmo mês de 2019, segundo a pesquisa “Impactos do Covid-19 no Comportamento do Consumidor Brasileiro de Moda”, realizada pela Dito CRM. Esse aumento trouxe a necessidade de discutir os impactos dessa indústria no mercado, nas pessoas e no meio ambiente.

O relatório Fashion on Climate, publicado em 2020 pela McKinsey, mostra que a indústria da moda em escala global emite, por ano, aproximadamente a mesma quantidade de gases responsáveis pelo efeito estufa que a totalidade das economias de França, Reino Unido e Alemanha combinadas. Essa quantidade corresponde a 4% das emissões de gases danosos liberados no meio ambiente no período de um ano. E o impacto das linhas de produção não param por aí.

André Carvalhal, especialista e consultor sobre moda e sustentabilidade, acredita que a discussão sustentável não pode existir sem considerar os fatores sociais. “Falar hoje sobre sustentabilidade na moda sem falar sobre pautas econômicas, recortes de classe, gênero, classe, raça não faz mais sentido”.

Assim como outros setores, a moda deve ser afetada pelos princípios da economia circular e, por necessidade ou mudança de cultura, o tipo de produto também pode ser alterado. “O ideal é que roupas não sejam descartáveis. Com mais qualidade, elas mantêm seu valor durante o uso e depois podem reentrar na economia, não terminando em desperdício. A verdade é que a cultura da moda descartável está esgotando os recursos naturais e enchendo os aterros sanitários de resíduos. O melhor que podemos fazer é consumir menos ou consumir com qualidade e, principalmente, reutilizar mais”, defende a CEO da TROC, Luanna Toniolo.

O relatório de consumo produzido pela organização Fashion Revolution mostra que os consumidores estão cada vez mais cientes da situação em que se encontra o mundo da moda. O levantamento, feito a partir dos cinco maiores mercados de consumo europeu, indagou os consumidores sobre seus comportamentos de compra dos últimos 12 meses. 33% dos consumidores afirmaram que consideram importante que suas roupas sejam produzidas sem que haja prejuízo à natureza. Também na marca dos 33% estão as pessoas que consideram importante que as roupas sejam produzidas por trabalhadores que recebem um salário justo. 45% consideram importante que as roupas sejam produzidas sem trabalho infantil, e 37% acham que as roupas não podem conter químicos prejudiciais à saúde.

Consumidores e marcas mais engajados

Para Carvalhal, algumas marcas já entendem o impacto social e ecológico de suas produções e estão no processo de transformação. “Existem marcas que entenderam seu papel, sua importância, sua dimensão e estão fazendo transformações conscientes em busca do que acreditam ser melhor para o futuro”. Enquanto isso, ele explica, outras são movidas pelo comportamento do consumidor. “Existe também um terceiro fator, que é uma demanda do próprio setor financeiro, que entende o poder de investir em marcas mais sustentáveis devido ao seu potencial de crescimento no futuro”, diz o especialista.

Fernanda Weber, especialista em Negócios da Moda e e-commerces de Moda, percebe essa tendência especialmente em consumidores das gerações Y e Z. “Iniciativas como a da H&M — grande player do fast-fashion internacional — que divulgou, em 2013, que começaria a trabalhar com upcycling recebendo roupas da marca de volta para reciclagem, com a vantagem de descontos para os clientes que levarem as roupas, foram impactantes para o mercado. Desde 2015, vejo que ações começaram a ser feitas, principalmente em relação ao fair-trade — comércio justo —, que valoriza e paga decentemente toda a cadeia de trabalho envolvida na moda. Mesmo assim, temos um longo caminho pela frente, pois a massa ainda não abraçou a sustentabilidade”, pontua.

Tie Lima, fundador do Enjoei — marketplace em que as pessoas vendem itens usados, novos ou seminovos —, explica que é perceptível a mudança de consumo na plataforma. “A tendência de questionar o modelo de consumo atual vem crescendo no mundo, de refletir sobre o impacto que as decisões de compra têm para o planeta ou para a sociedade”, explica o executivo. “O consumidor está cada vez mais atento ao impacto de suas decisões de consumo para o planeta e sociedade. Não há uma única forma de consumir, assim como não há um único estilo válido”, finaliza.

“Em termos de tendência, parece haver uma relação entre quanto menor, mais nova e mais autoral é uma marca, maiores são as chances de ela se conectar com essas pautas, mas não podemos generalizar”, contrapõe Carvalhal. “Ao mesmo tempo, vemos marcas já antigas atendendo a essas demandas também e buscando caminhos de melhorar e evoluir”, completa o especialista.

Weber acredita que as empresas têm um grande desafio pela frente para se adaptarem à tendência. “Elas precisam entender que a transformação não tem volta. As marcas precisam revisar seus processos desde o desenvolvimento de produtos até o pós-venda. É preciso achar soluções para desperdícios, trabalhar com reciclagem, fazer programas de redução de danos na produção do produto, entre outros. O consumidor está cada vez mais empoderado, principalmente na Internet. A mudança tem que vir de dentro para fora e precisa começar logo”, enfatiza.

A revolução também no e-commerce

Com relação ao e-commerce, Carvalhal acredita que transformar os pontos físicos em pequenos centros de distribuição locais ajuda a causa sustentável, uma vez que reduzem a necessidade de estoques grandes, que consomem diversos recursos, e possibilitam um processo logístico menos poluente. “As novas marcas, promovidas pelos nativos digitais, não sentem a necessidade de abrir uma loja física, enquanto as grandes lojas de departamento têm o que é necessário para investir em soluções mais inteligentes, experimentar e colocar em prática medidas sustentáveis”, afirma.

“Já passamos da fase de entender a sustentabilidade somente relacionada aos recursos ambientais”, explica Carvalhal. “Mais do que nunca, precisamos entender — até com a própria pandemia, pois a origem do coronavírus tem a ver com a má interação com a natureza — o quanto nós estamos suscetíveis a tudo que interferimos com a natureza e o quanto arcamos com essas consequências também”, analisa.

“Acredito que o consumidor irá cada vez mais se interessar sobre os propósitos das marcas, e isso definirá as compras. Acho que surgirão muitos players menores, muitas marcas nichadas e uma grande valorização do pequeno empreendedor. As tendências de moda ainda serão um guia, pois a indústria funciona assim, mas a moda caminha para um momento mais democrático e diverso, fazendo com que os consumidores achem marcas e peças que realmente fazem sentido para eles”, completa Weber.

A moda atemporal dos brechós

Economizar dinheiro, preservar os recursos naturais ou até mesmo incrementar o estilo com peças vintage são alguns dos motivos que levam as pessoas a procurarem os brechós ou as lojas que vendem produtos de segunda mão. Assim, os brechós figuram como expoentes desse movimento de moda mais sustentável, e é claro que o e-commerce não podia ficar de fora, ainda mais em tempos de pandemia com a impossibilidade de sair de casa para garimpar.

Para Luanna Toniolo, CEO da TROC, um dos maiores brechós online do Brasil, o movimento de repensar o consumo, que é um processo que também repercute no second hand (segunda mão, em tradução livre), já vinha acontecendo no Brasil de forma significativa, mas o período de isolamento acelerou o processo. “Na Europa e nos Estados Unidos, por exemplo, é um hábito comum comprar roupas, acessórios e móveis que uma pessoa já não quer mais. Essa mudança cultural aconteceu devido a períodos de grande escassez, como acontece em grandes guerras ou catástrofes. E muitos especialistas estão classificando a pandemia como uma época de ‘economia de guerra’. No Brasil, esse período de isolamento acelerou o processo e fez com que quatro anos acontecessem em quatro meses”.

Todo o ecossistema de moda circular – sejam brechós físicos tradicionais, novos modelos em plataformas online de compra, venda ou troca — entra na indústria da moda como um facilitador, um “resolvedor” do problema, de uma forma muito prática e inteligente. O mercado de second hand é um ecossistema onde todos saem ganhando: brechós, plataformas de comercialização, marcas, consumidor e a sociedade como um todo. Isso porque saímos do formato tradicional de negócio da economia linear, dando uma destinação correta [às roupas], possibilitando novos ciclos e fazendo valer sua produção.

“A principal motivação para ingressar no second hand ainda é financeira, mas notamos uma grande satisfação das pessoas em estar adotando uma prática de consumo consciente. Quando começamos, um dos nossos slogans era “o maior segredo das mais bem vestidas”, porque dificilmente uma pessoa contaria para suas amigas e muito menos em suas redes sociais que aquele look era de segunda mão. Isso já mudou bastante”, conta Toniolo.

Dados divulgados pela ThredUp mostram que a revenda cresceu 21 vezes mais rápido que o varejo nos últimos cinco anos. A tendência é que, nos próximos anos, os brechós online representem o fast fashion de forma ainda mais substancial. “Eu acredito que a mudança significativa ainda está em curso, mas a realidade é que já estamos impactando a indústria da moda. Até 2029, o segmento de resale deve atingir aproximadamente R$ 31 bilhões, e uma pesquisa sinaliza que 17% de nossos guarda-roupas serão de second hand”, defende a CEO da TROC.

A mesma pesquisa indica que, depois do início da pandemia, quatro em cada cinco pessoas dizem que têm ou estão abertas a fazer compras de segunda mão por motivos econômicos. A revenda online tem ocupado esse espaço de consumo acessível com conforto e proteção de casa. Cabe ao varejo também se readaptar.

Por Dinalva Fernandes e Júlia Rondinelli, da Redação E-Commerce Brasil

Este texto foi retirado da Edição 62 da Revista E-Commerce Brasil, publicada em abril de 2021

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