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Entender que o varejo alimentício é feito por pessoas é primordial, afirmam executivos no Grocery & Drinks

Por: Júlia Rondinelli

Editora-chefe da redação do E-Commerce Brasil

Jornalista formada pela Faculdade Cásper Líbero e especialização em arte, literatura e filosofia pela PUC-RS. Atua no mercado de e-commerce desde 2018 com produção técnica de conteúdo e fomento à educação profissional do setor. Além do portal, é editora-chefe da revista E-Commerce Brasil.

Na primeira reunião presencial da Conferência Grocery & Drinks, promovido pelo E-Commerce Brasil, diversos profissionais da área do varejo alimentício debateram os principais desafios e oportunidades do setor. O evento aconteceu na noite de terça-feira, 3o, em São Paulo.

No segundo painel da noite, os dois principais temas foram a regionalização e a personalização da experiência de compra. O debate foi mediado por Leandro Alves, Conselheiro do E-Commerce Brasil.

Os desafios da regionalização

Paula França, Head Nacional de E-commerce do Cencosud Brasil explicou que é preciso aprender a trabalhar o momento de compra. Hoje, é comum que o consumidor frequente o supermercado para o abastecimento de perecíveis de forma pontual. O digital possibilita que essa reposição seja realizada de forma mais rápida do que antigamente, em que o consumidor realizava uma “compra do mês”, principalmente pela dificuldade de deslocamento e pelo tempo gasto.

Em contrapartida, o e-commerce consegue trabalhar tanto o imediatismo quanto a noção de possibilidade de novas formas de compra. “O principal passo é entender o que o público de cada região precisa”, explica Paula. Isso porque existem diferenças entre as preferências alimentícias entre as regiões e também diferenças de comportamento.

Ela cita que em grandes centros, como São Paulo e Rio de Janeiro, os consumidores já são mais digitalizados e estão dispostos a pagar pela entrega rápida no varejo alimentício. Já algumas cidades do interior, por exemplo, contam com a relação de proximidade entre o lojista com o consumidor. A executiva explica que, em muitos casos, os consumidores que querem um produto específico vão ligar para a venda e não pagarão pela entrega.

Para concluir, Paula afirma que é preciso entender as diferenças entre as regiões e a posição do varejo na vida do consumidor.

A jornada de compra não é linear

Já Olegário Araújo, Professor e Pesquisador da FGV CEV, afirma que “o consumidor não é um bloco monolítico”, ele é algo mutável. Um mesmo cliente terá diferentes necessidades ao longo de sua jornada. Usar os recursos disponíveis para conhecer o consumidor e fazer a gestão das situações são as vantagens do comércio eletrônico.

“Não dá para tratar pela média, é preciso analisar a ocasião do consumo”, afirma. Segundo ele, o varejo ainda se apoia muito na média. “Cada vez mais, o consumidor circula por canais diferentes e ocupa o local que lhe faz mais sentido em cada ponto da jornada”, completa.

O professor orienta que é essencial perceber que há ocasiões na jornada de compra ajuda o varejista a fazer parte da venda no momento em que o consumidor estiver mais disposto a acessar o canal específico. Para ele, o varejo ainda não teve sucesso em conseguir colocar o consumidor 100% no centro de suas operações.

Por fim, Olegário acredita que as mudanças no sortimento das lojas de uma mesma rede vai depender do local em que está localizada, mesmo dentro de uma única cidade. A identidade da venda dentro do contexto é primordial para fazer a venda “casar” com o que o consumidor quer, de forma personalizada e rápida.

Ele recomenda que as alianças estratégicas são primordiais neste contexto, pois ajudam a realizar com excelência novas demandas.

Para Rodrigo Haddad, Diretor de E-commerce da Ambev, ninguém deve ter a pretensão de criar uma ocasião de consumo, e sim responder ao momento em que o consumidor está disposto a comprar. “Podemos até tentar induzir situações, mas, no fim do dia, quem dita as regras são os consumidores”, afirma o executivo.

“O marketing para e-commerce hoje é matemática, pois o dado te torna mais assertivo, falando com a pessoa certa no momento certo e gerando humanização”, ele completa.

De acordo com Rodrigo, regionalização no Brasil segue a tendência do que aconteceu na China. Ele acredita que nosso modelo socioeconômico combina com o que já aconteceu por lá e defende que a digitalização realmente passará a ser efetiva quando alcançar os pequenos e médios comerciantes. Lá, o WeChat desempenhou um papel fundamental para digitalizar os comerciantes e aqui vemos o mesmo com o WhatsApp.

O cliente quer personalização e algo a mais

O segundo tópico abordado pelo grupo foi a respeito da personalização da venda em grande escala. Questionados sobre as etapas que fazem do varejo alimentício próprio e tão importante para o consumidor, o professor Olegário afirma que “o varejo ainda não é eficiente, há muito desperdício na cadeia”, o que Paula completa com a necessidade de tornar as operações sustentáveis: “o investimento tecnológico é muito alto, então o resultado precisa ser escalável”.

Nesse cenário, é impossível personalizar cada detalhe, senão a venda não geraria lucro para as empresas. A orientação de Paula é escolher os pontos-chave de personalização que podem ser atualizados e alterados sem comprometer a rede, como a comunicação, a página inicial do site e os produtos oferecidos para regiões específicas.

O trunfo do e-commerce é usar os dados para apresentar as novidades de forma personalizada de acordo com o que é percebido pelo comportamento de consumo específico. O cliente é único, mas as métricas de recorrência são padronizadas de acordo com a região.

Para Rodrigo, há ainda outro fator crucial a ser considerado nesta equação: o papel da indústria. Os executivos concordam que as negociações e acordos entre a indústria e o varejo alimentício poderiam ser realizados de maneira mais inteligente. Rodrigo completa que as chances de parcerias de sucesso serão maiores uma vez que as métricas corretas sejam fornecidas.

“Pela perspectiva da indústria, ao falarmos de personalização, vemos os times de marketing colocando cada vez mais dinheiro nas mídias sociais e não mais nas mídias de massa”, ele explica. Este é um dos passos da nossa geração para a personalização e está ao alcance da maior parte das marcas.

Saber quem é o consumidor ajuda também quando a estrutura é mais enxuta: um banner para o público certo ou uma comunicação assertiva já é um começo de personalização.

O indispensável uso dos dados

Leandro levanta as questões sobre o uso dos dados nesse tipo de relação: como realmente o supermercadista pode colher os frutos dos dados coletados pelo comportamento de compra? E o potencial que isso pode ter aliado à indústria?

Rodrigo recomenda soluções de clubes de fidelidade, o que aumenta a taxa de conversão. O ticket médio é maior e a recorrência também. “Ser aliado da indústria é riquíssimo, pois ela não costuma ter contato com o consumidor e passa a fazer parte dessa troca benéfica, desse ciclo virtuoso”.

Na visão de Paula, a indústria é um aliado valioso para o varejo alimentício por dois motivos: 1) por dispor de verba para investir nas ações que fizerem mais sentido; 2) interesse em conquistar e fidelizar o cliente como o bem mais valioso da equação.

“No momento em que eu entendo quais são as aspirações do meu cliente, gero inteligência para os dados, pois não estamos olhando só números e sim pessoas”, ela defende.

Olegário contrapõe ainda com o argumento de que como bem mais valioso, o consumidor não é inerte às investidas da indústria e ocupa um papel de tomada de decisão. Por isso, as marcas precisam ter noção do papel que desempenham em suas vidas. “É preciso também perguntar ‘o que eu quero ser e para quem?’ Entender seu lugar para o consumidor e se adequar ao cenário”, argumenta o professor.

Ele explica ainda que falta transparência nas relações entre as indústrias e o varejo, que só vai funcionar a partir do ponto em que os dados justificarem os custos. Algumas indústrias, inclusive, serão mais estratégicas que outras e farão mais sentido diante das relações e parcerias.

A logística que não se paga

O último tópico abordado pelo grupo foi a questão da logística no cenário alimentício. Por se tratar da parte do processo que tem mais contato com o consumidor e com as suas necessidades, ela apresenta um ponto a mais de dificuldade, que inclui o cuidado com o transporte de perecíveis e na escolha dos produtos com o mesmo carinho que o consumidor escolheria e também a velocidade da entrega.

Para Paula, as empresas supermercadistas vendem relacionamentos e não só produtos: “a logística é um desafio, mas é também a ponta do nosso relacionamento com o cliente”. Ela crê que a logística sempre será uma conta cara e que não se paga. “Para os lojistas, fica a questão: que tipo de serviço quero oferecer para o meu cliente? Ambos os lados querem economizar e realizar a entrega mais simples? Ou quer oferecer um serviço de excelência? É preciso saber que ambas as partes terão os seus custos”.

Ela completa que nem todas as demandas e desejos do consumidor serão atendidos, mas que o varejo de alimentos precisa se comprometer a entregar com qualidade aquilo que oferece. Além disso, cada cenário vai pedir uma solução diferente.

O segundo conselho da executiva é com relação ao uso da tecnologia: “não precisamos fugir da tecnologia, mas, no fim do dia, nós fazemos varejo e há pessoas no processo. Há alguém separando a compra e há alguém em casa esperando pelos produtos”. Por isso, para a executiva, é preciso tratar a tecnologia como uma ponte, mas entender que o supermercado é sobre quem consome.

Em contraposição, Rodrigo afirma que, em tese, entregar uma cerveja ou um iphone tem o mesmo custo operacional se considerar a volumetria, tamanho e espaço que ocupa. A diferença é o tempo em que o consumidor aceita esperar por cada um dos dois e as condições de cuidado com a entrega que cada item vai demandar. No fim das contas, a cerveja custará mais por causa desses fatores. “Existem hoje soluções tecnológicas que ajudam a adiantar e a deixar a logística mais sustentável no final do dia, mas é preciso investir”, ele explica, mas, por fim, concorda com Paula: “investir em pessoas é o primeiro passo para chegar onde queremos”.

Olegário afirma que é preciso estar atento ao ciclo de vida dos consumidores. “O varejo precisa aprender algo com a indústria: gestão de marca”. Para ele, é importante que o lojista saiba qual papel quer ocupar na vida do consumidor e como se posicionar para alcançar os novos perfis.

“O varejo perde sim dinheiro. Então se quisermos fazer algo novo, é preciso investir”, ele conclui.

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