O Brasil vem sendo o foco cada vez mais frequente das grandes plataformas de comércio eletrônico do mundo. Em 2020, a pandemia da Covid-19 trouxe também um impacto no mercado mundial, com o aumento das compras online e, no caso brasileiro, esse fenômeno veio acompanhado da chegada e do crescimento de players como Shopee, AliExpress, Shein e, mais recentemente, Temu.
O principal diferencial dessas empresas consiste em disponibilizar uma maior variedade de produtos, com preços mais acessíveis – mesmo com a incidência de tributos – e muitas promoções. Nesse sentido, plataformas que atuavam no Brasil vendendo apenas produtos nacionais, ou exclusivamente produtos importados, passaram a ofertar ambos por meio de uma experiência similar.
Da mesma forma, após a chegada efetiva dessas empresas ao país, um outro foco passa a ser também o de levar o Brasil ao mundo, usando suas vitrines globais para a promoção de sellers brasileiros.
O crescimento do mercado
Em 2019, de acordo com o Balanço Aduaneiro, produzido pela a Receita Federal, o Brasil recebeu pouco mais de 81 milhões de remessas internacionais, evoluindo para 210 milhões em 2023. Esse crescimento, de 157%, foi um dos propulsores do aumento de participação das plataformas asiáticas no mercado brasileiro.
De acordo com a 3ª edição do estudo sobre o consumidor brasileiro e suas compras no e-commerce cross border, realizado em 2023 pela SBVC (Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo), as principais motivações de compras internacionais são o preço mais baixo dos produtos, a variedade do portfólio, com opções não encontradas no Brasil, e a qualidade desse produtos. Esses diferenciais, aliados a um prazo de entrega bastante inferior a 30 dias, têm impulsionado as compras internacionais.
O Relatório Setores do E-commerce no Brasil, da Conversion, de julho de 2024, mostra que, dentre as dez maiores lojas virtuais do Brasil, seis possuem sellers estrangeiros em suas plataformas e três delas são empresas asiáticas, que tiveram seu grande crescimento no Brasil baseado nas vendas internacionais e justamente no período pós-pandemia.
As novas regras de importação
O crescimento dos último anos, entretanto, passou a apresentar expectativa de desaceleração com o início do Programa Remessa Conforme (PRC), da Receita Federal, em agosto de 2023. O programa, voltado para as empresas de comércio eletrônico e para o cumprimento de uma série de regras para certificação e acesso aos benefícios do projeto, estabeleceu, inicialmente, alíquota zero para compras de até US$ 50 realizadas em sites estrangeiros certificados, com a incidência de uma alíquota de 17% de ICMS.
Se, por um lado, o programa de conformidade gerou certa desconfiança do mercado e dos consumidores, resultando numa queda de 23% nas importações através de plataformas online em 2023, de acordo com reportagem da Isto É Dinheiro, por outro, teve a adesão quase que imediata das maiores plataformas, sinalizando o interesse dessas empresas em seguir as regras de compliance aduaneiro para fazer jus aos benefícios concedidos pelo Programa.
Em 2024, no entanto, foi publicada a Lei 14.902, que estabeleceu novas alíquotas de importação e mudou, novamente, a regra do jogo.
Implementada em 01 de agosto do ano corrente, a alíquota de Imposto de Importação para compras realizadas pelo Programa Remessa Conforme passou de zero para 20% em compras até U$ 50, além do ICMS de 17%, já cobrado para essas remessas. Em contrapartida, as compras acima desse valor tiveram uma redução de impostos, passando a haver uma dedução de US$ 20 sobre os 60% de imposto (contra 60%, sem dedução, antes dessas regras).
Tendências do mercado – do mundo para o Brasil
Essas novas regras e o consequente aumento do preço dos produtos internacionais geram uma incerteza no mercado e nas próprias empresas. Mantendo-se o cenário pós-PRC, a tendência é uma nova desaceleração inicial nas compras internacionais de baixo valor (até US$ 50), com posterior estabilização. Essa tendência é reforçada pela pesquisa do IPC (International Post Corporation), que indica que os consumidores pretendem comprar mais de empresas nacionais no futuro, assim como nas ações de grandes marcas, como Shein e Shopee, que já possuem uma grande base de sellers nacionais em suas operações ou mesmo grande parte de suas produções nacionalizadas, facilitando assim as compras domésticas.
Olhando para o futuro, a diminuição dos impostos para compras acima de US$ 50 e a estabilização das regras aduaneiras podem gerar uma oportunidade de aumento do tíquete médio das vendas internacionais e a exploração de novos mercados e produtos. Considerando o mesmo estudo da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo citado anteriormente, o tíquete médio da última compra internacional realizada pelos entrevistados é de R$ 201,00 – abaixo de US$ 50.
Um dos mercados que podem aumentar sua participação em vendas para o Brasil é o norte-americano. Produtos com origem dos Estados Unidos, que possuem normalmente maior tíquete médio em comparação com a China, representaram somente cerca de 18% das remessas recebidas no Brasil em 2023, o que demonstra considerável espaço para o crescimento do cross border na região. Com isso, o Brasil passa a ser ainda mais atrativos para empresas americanas e, também, para as estratégias de vendas focadas em maior valor agregado.
Por sua vez, a chegada da Temu ao Brasil também deve movimentar ainda mais esse tabuleiro, uma vez que sua estratégia está 100% baseada no cross border neste primeiro momento. A empresa sequer começou a realizar grandes investimentos publicitários no país – e mesmo assim já foi o aplicativo de compras mais baixado do Brasil em junho e o mais baixado do mundo desde maio deste ano, reforçando seu poderio mundial, seja como Temu ou Pinduoduo (na China).
E, como bem sabemos, a China possui muitos fatores que podem impactar o e-commerce mundial e influenciar diretamente o mercado brasileiro, principalmente com o alto nível de promoções e cupons de descontos e o uso massivo de social commerce.
A parceria realizada entre Magalu e AliExpress demonstra a importância da China nesse ecossistema de comércio eletrônico, aumentando o sortimento de produtos internacionais vendidos na plataforma brasileira, ao mesmo tempo em que solidifica e amplia as opções de produtos nacionais vendidos pelo AliExpress.
Do Brasil para o mundo
O Brasil também é visto como um forte mercado para exportação, de modo que várias empresas e o operador logístico nacional performam para levar os produtos nacionais para os maiores sites e plataformas do mundo.
Várias ações são realizadas para dar suporte aos sellers na expansão de suas vendas para o mercado internacional. De apoio aduaneiro e logístico, adequação de portfólio até fullfilment, várias marcas estão atuando junto às principais entidades brasileiras de comércio exterior, como Agência Brasileira de Exportação e Investimentos (APEX), para desenvolver essas oportunidades e alavancar também as vendas de nossos produtos em outros países.
O fato é que temos muitas oportunidades no Brasil. Mesmo com as novas regras, a importação ainda é bastante competitiva, principalmente em termos de preço e variedade de produtos, além de termos um público ainda a ser explorado – menos da metade da população nacional já realizou alguma compra internacional. Da mesma forma, os vendedores brasileiros possuem cada vez mais apoio das grandes plataformas para a internacionalização de seus negócios.
Apesar de certa incerteza atual no mercado, o cenário ainda é bastante favorável ao cross border, que tem ainda muito a crescer no Brasil e no mundo.