O e-commerce cross-border tem crescido a passos largos nos últimos anos. Hoje, é impossível fechar os olhos para o movimento cada vez mais recorrente de compras em lojas estrangeiras, especialmente da China e dos Estados Unidos.
As cifras de faturamento dos principais players deixam isso claro. No ano fiscal que terminou em março de 2020, os braços de comércio internacional do Alibaba arrecadaram mais de US$ 4,79 bilhões (R$ 25,19 bilhões) em vendas. O resultado foi 22% melhor do que no período anterior.
Já a Amazon registrou US$ 74,7 bilhões (R$ 392,8 bilhões) em transações internacionais em 2019, valor que inclui não apenas os produtos, mas os serviços também. Isso representa um salto de 13% em relação a 2018.
E até o Mercado Livre tem a sua própria plataforma de intermediação de vendas de fora para os países onde atua na América Latina, o CBT.
Pesquisam avaliam o cross-border
Ou seja, dá para perceber que esse mercado está em franco crescimento. Mesmo assim, o terreno é bastante concentrado: 43% de todas as vendas cross-border do mundo são feitas em um e-commerce dos Estados Unidos ou da China. É o que mostra a pesquisa “Cross-border e-commerce shopper survey 2019”, da International Post Corporation (IPC), que ouviu 35,7 mil consumidores de 41 países. A IPC perguntou de onde tinha vindo a compra cross-border mais recente.
No Brasil, os mercados americano e chinês dão uma goleada ainda maior: 83% das últimas compras de internautas daqui haviam sido feitas em um desses dois países.
Em outro levantamento, conduzido pelo movimento Compre&Confie e pelo E-Commerce Brasil, fica claro o tamanho do cross-border por aqui.
Se em termos de faturamento a diferença é desproporcional (compras de fora faturaram R$ 6,1 bilhões em 2019, contra os R$ 75,1 do comércio eletrônico nacional), em número de pedidos a comparação muda. Uma em cada quatro encomendas é feita em um site de fora.
Por outro lado, é mínima a participação do Brasil na direção contrária: faltam até estudos sobre quanto as empresas daqui faturam vendendo para o exterior, mas sabe-se que não é muito. Na pesquisa da IPC, o e-commerce brasileiro não aparece no ranking das principais origens de compra em nenhuma região, nem na América do Sul.
Mas agora que vivemos uma pandemia por causa do novo coronavírus, será que a relevância do e-commerce internacional vai continuar crescendo? O que podemos aprender com esse período?
O cross-border no mundo pós-Covid 19
Apesar do impacto gerado pela pandemia, especialmente na logística e na falta de voos comerciais, o cross-border conseguiu aguentar o baque, de forma geral.
Um estudo da Global-e, por exemplo, mostrou que nos 15 países pesquisados o faturamento de compras internacionais até metade de abril de 2020 foi 11% maior do que no ano anterior.
Em muitas das economias, incluindo as mais impactadas pelo vírus, o índice de transações após a reabertura das economias está no mesmo patamar do pré-crise.
Na região do Golfo, mesmo com as medidas de contenção rígidas, o impacto da doença para o comércio transfronteiriço foi praticamente nulo, com um pico enorme em abril devido à celebração do início do Ramadã.
Na Europa, onde a pandemia se espalhou com mais intensidade até agora, o impacto foi heterogêneo. É o que mostra o Ecommerce Europe, associação de lojas eletrônicas do continente.
Apenas um lugar (Alemanha) registrou dificuldades para enviar produtos para outros países dentro da União Europeia em maio de 2020. Mesmo assim, a maioria esmagadora das nações, 75% dos entrevistados, registrou dificuldades de supply chain em suas operações.
Por outro lado, das 16 economias sondadas, oito viram o total das vendas – incluindo cross-border – aumentar. A outra metade teve quedas parciais ou totais em maio.
Ainda que vários países estejam se recuperando, a boa notícia é que alternativas foram criadas para contornar a crise. Novas ideias, muitas delas em consonância com as expectativas do consumidor, prometem facilitar o comércio transfronteiriço.
Soluções para o novo cross-border
A pandemia do novo coronavírus tem acelerado, à força, o desenvolvimento da economia digital no mundo inteiro. Seja para lojistas, que passaram a olhar para o e-commerce como uma forma fundamental de renda, seja para consumidores, que agora já estão mais acostumados a comprar online. O mesmo se aplica ao cross-border.
O ponto de maior atenção nessa operação entre países diferentes, invariavelmente, é a logística.
Em primeiro lugar, comunicação está se mostrando ainda mais fundamental do que já era. Considerando todas as dificuldades de locomoção durante as quarentenas, manter o cliente informado constantemente sobre atrasos, legislações e ações tomadas pela loja para entregar os pedidos é essencial se você quiser fidelizar o consumidor.
Isso inclui diversificar a malha logística. Até porque, com restrições de circulação entre países, é sempre bom não depender de um único player.
Exemplos práticos
Para citar um exemplo, novos modelos logísticos de empresas como Buyandship e MyMallBox já permitem “domesticalizar” entregas internacionais.
Digamos que uma pessoa, no Brasil, compre um item em um site nos Estados Unidos. Em vez de informar o endereço brasileiro, esse cliente enviará o produto para o endereço do centro de distribuição da empresa especializada, nos EUA. Essa empresa, então, é quem enviará a encomenda para o Brasil.
A popularização dessas soluções ajuda o lojista a economizar no frete, que será doméstico. Ao mesmo tempo, o cliente verá o custo se reduzir, já que os players locais ficarão a cargo das duas pontas da jornada internacional – no país de origem e no destino.
De quebra, transportadoras locais oferecem uma gama maior de fretes, ficando a cargo do consumidor escolher, por exemplo, a velocidade da entrega. No modelo tradicional, às vezes só existe uma opção.
Há ainda serviços recentes, de startups como o Grabr e o Parcl, em que pessoas físicas (viajantes) levam as compras na própria mala mediante um pagamento – e, se necessário, cobertura de custos alfandegários.
Obviamente, sua loja precisa rastrear todo o caminho do envio, até para prestar o máximo de informações a quem comprou no e-commerce.
Essas mesmas opções precisam ser levadas em consideração no sentido inverso: caso seja necessário, a logística reversa precisa ser otimizada, e, hoje, existe mais recurso (tecnológico, inclusive) para isso.
O curioso caso da América do Sul
Analisando a pesquisa feita pela International Post Corporation que citei no início do artigo, conseguimos notar uma curiosidade que, talvez, guarde consigo uma possibilidade de negócio.
Dentre os 41 países cujos dados foram levantados, em apenas três o ranking de origem das compras cross-border não conta com nenhum representante da própria região: Brasil, Argentina e Chile. Em todas as outras economias, no Top 3 há pelo menos uma nação do próprio continente (exceto EUA e Austrália, potências locais).
Tanto no Brasil quanto no Chile, a maior parte das compras mais recentes no exterior tinha sido feita na China, nos Estados Unidos e no Japão. Na Argentina, a diferença ficou apenas por conta da Espanha.
Curioso notar que, na América do Sul, aumenta ano a ano o apetite por e-commerce. Apesar de o Brasil ser o maior maior mercado com folga, outras economias, como Colômbia, crescem em um ritmo mais acelerado.
No Chile, segundo o Centro Economía Digital CCS, a participação das compras em um e-commerce estrangeiro tem aumentado ano a ano até um patamar parecido com o do brasileiro:
E existem iniciativas interessantes vindas dos nossos vizinhos. O governo chileno, por exemplo, criou um marketplace oficial para empresas B2B (especialmente as pequenas) que querem vender para fora.
Com fortes restrições logísticas em muitos continentes e um mercado um tanto já dominado por EUA e China, não seria uma surpresa ver lojistas latinos focarem o comércio eletrônico cross-border na América do Sul. Talvez seja uma perspectiva de negócio que pode ser aberto com a pandemia.
De qualquer forma, fica claro que, mesmo em uma crise de grandes proporções, empresas seguem encontrando soluções para driblar as barreiras – muitas vezes físicas – impostas pelo novo coronavírus. E que, após controlarmos a Covid-19, o e-commerce entre países voltará a crescer, talvez, ainda mais rapidamente.