Hoje acordei disposto a criar uma polêmica. Quero falar de um sonho que muito pai e mãe têm. Eles querem ver o filho com o diploma de advogado, médico, engenheiro. Mas o jovem, coitado, quer ser empreendedor. “E isso dá futuro, rapaz? Não tem carteira assinada, não tem salário, não sabe nem se vai dar certo”. Por mais que o Brasil já seja reconhecido internacionalmente por sua veia empreendedora, ainda há muito discurso conservador na contramão dessa tendência. Outro dia ouvi uma mãe desesperada porque o filho queria ganhar a vida vendendo artesanato. Você já viu alguém vendendo artesanato ficar rico? Eu já, minha senhora. Há pouco, uma empresa americana comprou um marketplace brasileiro de produtos artesanais por cerca de R$ 1 bilhão.
Se nas palavras de Adam Smith o capitalismo tem a sua mão invisível, que regula o livre mercado, costumo dizer que, em inovação, temos a teoria do pé cansado. Existe uma força oculta na sociedade que empurra milhões de pessoas todos os dias a andarem da mesma forma, na mesmíssima direção, ainda que seus calos apertem. E parece que elas não se incomodam. Mas os empreendedores precisam se incomodar, por mais que de início ninguém lhes dê um sapato confortável.
O e-commerce ensina a um empreendedor que, assim como os canais, as oportunidades e direções precisam ser múltiplas na vida — contanto que se integrem a um objetivo maior. Não podemos deixar que nosso pé cansado interrompa a caminhada, ou nos impeça de conhecer diferentes trajetos.
Tenho amigos que usam as redes sociais para reclamar. Reclamam da política, da saúde, da economia, das escolas públicas… Poderiam fazer diferente. Usar as redes para se inspirarem com novas ideias e tomarem atitudes. Se os sócios de uma startup no interior de São Paulo tivessem se contentado em apenas reclamar em suas redes, não teriam gerado um impacto tão profundo na educação brasileira de nível superior.
No início dos anos 2010, eles perceberam que, na média, metade das vagas ficava ociosa em determinados cursos de universidades particulares. Em contato com essas instituições, negociaram descontos, passando a oferecer as vagas com até 75% de bolsa em sua plataforma. Hoje, mais de 850 mil pessoas já se matricularam por meio do marketplace, sendo cerca de 60% mulheres das classes B, C e D, que estão no mercado de trabalho e pagam a própria mensalidade.
O e-commerce nos ensina a observar os números. Ninguém que trabalha com vendas online tira o olho deles por mais do que cinco minutos. Em meio a taxas recordes de desemprego, o Brasil vive um momento muito especial de abertura à inovação. Nesse mercado, a impressão é que falamos de outro país. Sobram oportunidades.
De acordo com a Associação das Empresas de Tecnologia da Informação (Brasscom), o Brasil forma a cada ano cerca de 45 mil pessoas na área, enquanto as empresas abrem 70 mil vagas no período. O investimento de grandes corporações em startups é crescente. Até maio, as startups brasileiras levantaram US$ 3,2 bilhões em investimento, 90% do total contabilizado em 2020, conforme relatório do Distrito.
O mercado está disposto a pagar por inovação e inovar combina com o setor de e-commerce, que significa mudança constante. Um site de vendas está sempre em busca de novos serviços, sobe produtos na home durante algumas horas para o site ganhar competitividade. Troca de home como quem troca de roupa.
Jovens com veia empreendedora no Brasil
Nesse cenário, os sonhos dos pais precisam mudar, porque os dos filhos já mudaram. Das empresas cadastradas na base da Associação Brasileira de Startups (ABStartups), mais de 70% são lideradas por empreendedores entre 25 e 40 anos de idade.
O novo empreendedor tem habilidade de se planejar na escassez e no excesso. Caso não tenha recursos para investir em projetos, cria uma interface de financiamento coletivo. Se as informações de determinado setor estão desorganizadas, desenvolve uma plataforma que mapeia dados e os exibe com clareza, ajudando outros cidadãos a interagir, buscar apoio, realizar novas descobertas. O e-commerce, por exemplo, nos inspira a ser facilitadores de decisões de terceiros. E isso é puro empreendedorismo.
Em seu livro “Um novo jeito de trabalhar”, Laszlo Bock, ex-vice-presidente sênior de Operações de Equipe do Google, atribui o ambiente lúdico e colaborativo da empresa a algumas questões, como o fato de seus fundadores terem estudado em uma escola Montessori nos EUA. Entre os méritos desse modelo de ensino estão a autonomia que dá aos alunos, o estímulo ao questionamento e à capacidade criativa. Algumas pessoas entenderam errado e acharam que, para suas empresas terem sucesso, bastaria colocar um pula-pula na sala de reunião. Não é uma questão de brinquedos, mas de cultura.
O método montessoriano se contrapõe ao modelo tradicional de absorção passiva de conteúdo. Neste caso, que ignora nuances, diferentes jeitos de ser das pessoas, e encoraja a estudar para passar na prova, sem que isso seja sinônimo de aprendizado técnico e emocional.
Certa vez, ouvi de um palestrante estrangeiro, com mais de 50 anos de experiência em empreendedorismo e investimento em startups, que no início de sua carreira ele valorizava as ideias brilhantes. Com o tempo, percebeu que ideias brilhantes eram insuficientes. Para investir em uma startup, ele procurava empreendedores com capacidade de executá-las.
Na São Paulo que se recupera da pandemia, já começo a ver as ruas mais cheias de carros, congestionamentos. Ainda não é como acontecia antes, mas parece que alguns não veem a hora de retomar certos hábitos que fizeram as nossas grandes cidades como elas são: barulhentas, poluídas, sem planejamento para o bem-estar de seus habitantes, muito concreto e pouco humanas. Como gestor de e-commerce, eu me pergunto todos os dias: o que dá para fazer diferente? Tem momentos que não dá para fazer as coisas como sempre foram feitas. Fica a dica: jovens com veia empreendedora, desobedeçam a seus pais!