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Reforma tributária e os novos desafios fiscais e operacionais para o e-commerce

Por: Ralf França

Sócio especialista em Planejamento Tributário no escritório Ferreira & Vuono Advogados

Com mais de 14 anos de experiência na área, é pós-graduado em Direito Tributário. Construiu sua carreira atuando em planejamento tributário, elisão fiscal, recuperação de tributos e regimes tributários, além de temas ligados à proteção patrimonial, estruturas de holdings e sucessão patrimonial.

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​​O e-commerce brasileiro segue em franco movimento de expansão. Só em 2024, dados da Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm) apontaram um crescimento de 10,5% em relação a 2023 e conta com projeção de faturamento superior a R$ 234 bilhões para 2025.

Em contrapartida, o avanço da reforma tributária - Emenda Constitucional nº 132/2023 – demanda um olhar estratégico do setor, de modo que os lojistas possam absorver os impactos da maior mudança estrutural das últimas décadas em nosso sistema de arrecadação de impostos.

Mesa com balança da justiça, martelo, laptop e referência à reforma tributária no e-commerce.
Imagem gerada por IA.

    E, para o comércio virtual, esses impactos são significativos. Assim, se por um lado a promessa de simplificação fiscal trazida pela reforma é bem-vinda e está ancorada, sobretudo, na substituição do PIS, Cofins, IPI, ICMS e do ISS pela sistemática do IVA Dual a partir da criação de dois novos impostos (CBS de competência federal, e o IBS no âmbito estadual/municipal), por outro, o novo modelo impõe complexidades operacionais e riscos fiscais que demandam uma análise mais cuidadosa dos lojistas, especialmente quando se considera a adoção do princípio do destino para cobrança de impostos.

    Impactos no modelo logístico e operacional

    Uma das principais inovações da reforma é a implementação do princípio do destino, que tem como foco central gerar mais transparência para o sistema tributário nacional e eliminar distorções como a chamada guerra fiscal - que se dá, atualmente, por meio da oferta de renúncias fiscais no local de origem em que os produtos são comercializados.

    Ao quebrar essa lógica, no entanto, o novo modelo imposto pela reforma muda a dinâmica de muitos setores, incluindo o e-commerce, já que, naturalmente, muitas empresas estruturaram suas operações logísticas justamente considerando os benefícios regionais hoje vigentes no país.

    Ato contínuo, estamos falando de um arranjo que irá exigir uma reconfiguração e potencial descentralização da malha logística de uma parcela significativa de negócios atuantes no comércio virtual, de modo a mitigar os efeitos sobre o custo de frete e os prazos de entrega, que tendem a ser impactados pela redistribuição da carga tributária entre estados.

    E isso não apenas exige investimentos em infraestrutura como impõe um novo paradigma para a precificação: com a uniformização das alíquotas, será necessário calibrar políticas comerciais para diferentes praças, considerando custos tributários agora mais vinculados ao local do consumo.

    Desafios para marketplaces e empresas de menor porte

    Além disso, os marketplaces, que atuam como intermediadores entre vendedores e consumidores, podem ser particularmente afetados. A reforma tende a reforçar as obrigações de repasse correto dos tributos aos entes federativos e de emissão precisa de documentos fiscais. Isso implica a necessidade de sistemas de gestão fiscal mais robustos, capazes de identificar corretamente o destino da operação, aplicar a alíquota adequada e emitir notas fiscais em conformidade com a nova legislação.

    A demanda por sistemas mais completos – e por estruturas de compliance mais robustas – tende a trazer desafios para os pequenos lojistas, que, a rigor, cuidam de negócios com margens mais reduzidas e menor capacidade de investimento. Em relação às MPEs, inclusive, existe o receio que de haja um aumento de carga tributária, já que, a partir da padronização das alíquotas e fim de benefícios, muitas delas podem perder competitividade.

    Ainda em relação às PMEs, há debates no mercado sobre uma possível perda de atratividade do Simples Nacional para alguns setores, fato que pode demandar, por exemplo, a mudança para regimes mais complexos dentro de um movimento que também exigirá investimentos dos pequenos negócios para que possam se manter em conformidade com as novas exigências fiscais do país.

    Tudo isso abre espaço para a reflexão de que, embora haja a expectativa de que a reforma traga racionalidade tributária para o ambiente de negócios nacional, é possível que esse objetivo não se concretize de forma igualitária. A depender da calibragem final das alíquotas e da distribuição da receita entre entes federativos, por exemplo, lojistas de menor porte podem perder competitividade frente a grandes players com maior capacidade de adaptação tecnológica, logística e estratégica.

    ​​Sobre a questão logística, aliás, em pronunciamento de 2024, a Associação Brasileira de Logística (Abralog) projetou aumentos para a cadeia de transportes como um todo e para o aluguel de galpões em virtude dos impactos da reforma tributária no setor.

    Todo esse cenário, por fim, exige do e-commerce uma reorganização de seu planejamento fiscal e de sua cadeia de distribuição, passo que, por sua vez, pode ser otimizado por meio de ferramentas de gestão tributária e logística, de maneira que as empresas possam não só manter a conformidade com a nova legislação, mas também estudar cenários mais vantajosos em termos operacionais e estratégicos.

    Além disso, a digitalização de processos permite o acompanhamento de atualizações normativas em tempo real – fator determinante quando consideramos o longo período de transição da reforma, que seguirá até 2033.

    Assim, é possível afirmar que a transformação digital para setores como o e-commerce, mais do que uma vantagem competitiva, é uma questão de sustentabilidade financeira, fiscal e operacional no futuro tributário do país. Futuro que, é importante frisar, já está batendo na porta do mercado.

    Nesse ambiente, uma postura proativa das empresas para o redesenho de suas operações pode ser o norte de uma navegação mais tranquila nos mares da reforma.