É inegável que a pandemia do novo coronavírus está acelerando o processo de digitalização das nossas vidas. No mundo inteiro, a impossibilidade de sair de casa gerou uma demanda inesperada por serviços online, de equipamentos de ginástica a supermercado.
Apesar da situação pontual, parece ser consenso entre especialistas que, quando nossas vidas voltarem ao “novo normal”, nossa rotina continuará ocorrendo na nuvem. Especificamente, no caso de alimentos, a cultura de compras sofrerá uma grande mudança.
De acordo com a Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm), o setor de supermercado online registrou em abril o segundo maior aumento entre as categorias de e-commerce. E essa é uma oportunidade para os supermercados investirem mais em tecnologia e aumentarem suas vendas por meio do e-commerce.
Para se ter uma ideia, estamos falando de um salto de 270,16% no número de pedidos, atrás apenas de brinquedos (quem tem filhos sabe o quanto a quarentena pode ser desafiadora!).
Mesmo passado o pico, o setor teve um crescimento animador no decorrer das semanas:
Já durante a semana de Páscoa, o crescimento foi de 81% no estado de São Paulo, como revelou um levantamento feito pela Associação Paulista de Supermercados (Apas).
O resultado é bastante positivo para o setor. Mas o que garante que essa nova configuração não vai ser “fogo de palha”?
Supermercado online no exterior
Para fazermos essa análise, vamos começar olhando para os países que já passaram pelo pico da pandemia e flexibilizaram a quarentena.
Na Europa, onde estão alguns dos países mais atingidos pelo novo coronavírus, pesquisas mostram que a cultura de compras no supermercado começou a mudar.
Um estudo sobre comportamento do consumidor no Reino Unido mostra que quase 40% dos entrevistados entre 34 e 44 anos querem fazer pelo menos metade das suas compras pela Internet.
Já no continente como um todo, o número é ainda maior. Um levantamento feito com seis mil clientes na Itália, França, Alemanha, Suécia e Reino Unido indicou que 64% deles vão continuar usando o supermercado online após o vírus ser controlado.
Na China, onde as restrições de circulação começaram a ser flexibilizadas no começo de abril, essa mudança de cultura é ainda mais visível.
O JD Super – e-commerce de alimentos da JD – viu suas vendas crescerem 100% no primeiro dia do “618 Grand Promotion”, um evento promocional que ocorre todos os anos em junho.
O resultado foi ainda melhor no departamento de comidas frescas: 140% a mais em relação ao mesmo período de 2019.
Mas e no Brasil? Essa tendência será a mesma?
Provavelmente será. Claro, não é como se o país inteiro fosse deixar de fazer compras nas unidades físicas. Mas agora que sabemos da demanda pelo supermercado online, as próprias lojas passaram a investir no e-commerce.
Durante o The Future of E-Commerce, organizado pelo E-Commerce Brasil, o diretor de TI dos Supermercados Nagumo, Fábio Veras, compartilhou dados interessantes.
Antes do novo coronavírus, “50% dos clientes eram recorrentes e 50%, novos. Agora, 80% do público são de novos” consumidores.
Além disso, as empresas perceberam que existe uma oportunidade de recorrência no setor de alimentos. Ou seja, além da comodidade ao usuário, esse pode ser um bom negócio para as lojas.
Obviamente, cada país tem a sua própria realidade e suas particularidades. Em terras brasileiras, por exemplo, o acesso à Internet ainda é inexistente em muitas regiões (capitais e interior).
Porém, alguns dados dão esperanças. Em 2019, pela primeira vez, mais da metade das pessoas das classes D e E estavam conectadas, segundo o TIC Domicílios. O mesmo vale para a população rural.
Ao todo, 74% disseram ter acesso à Internet, representando um aumento de quatro pontos percentuais em relação ao ano anterior, impulsionado pela popularização de smartphones.
Ainda existe um longo caminho até a sociedade digitalizada e o crescimento não é tão rápido. Mas essas notícias e as iniciativas que alcançam muitos consumidores dão sinais de que o supermercado online veio para ficar.
O desafio do omnichannel
As lojas que decidirem entrar no próximo trem do e-commerce precisam ter bastante cuidado com a criação das suas plataformas online.
Além de prestar atenção a todos os pontos mais recorrentes da implantação de um site (opções de pagamento, antifraude, marketing, atendimento), o comerciante vai se deparar com uma dupla operação: online e offline.
Aliás, se você quer evitar os principais erros do omnichannel, recomendo que leia o artigo “Por que a sua estratégia omnichannel não está funcionando”, que publiquei no E-Commerce Brasil.
O primeiro ponto crucial é saber que não se pode tratar cada uma como se fosse uma empresa diferente. Talvez tenha sido assim há muito tempo, mas, hoje, as empresas entenderam que o importante é manter a unidade da marca. Até porque, para o usuário, tanto faz se ele está comprando no e-commerce ou na unidade física. Ele está comprando de você.
Então, minha dica é: crie uma experiência que dê ao cliente a possibilidade de ele estar onde quiser. Integre as ações para que o consumidor nem faça mais a diferenciação entre online e offline.
E nem precisa ser nada complicado. Por exemplo, quando a pandemia for controlada, uma campanha de compre pelo site e retire na loja já diminui o seu custo logístico e ainda facilita a vida do usuário.
Claro, para criar um site que se comunique com a sua loja física, provavelmente você precisará de um ERP omnichannel para não perder o controle da operação. Com essa ferramenta, fica mais fácil e organizado decidir como coordenar o estoque (será separado da loja física?) e como otimizar a logística.
O que vem pela frente?
Por falar em iniciativas, dá para citarmos duas frentes: novos players e o desenvolvimento de quem já estava no mercado.
Uma das mais notáveis adições é o Mercado Livre, que lançou, em abril, o seu departamento de supermercado. A entrada no setor virá em fases, e a primeira etapa não inclui a venda de produtos frescos nem de congelados. Mesmo assim, promete ser um movimento gigantesco para o mercado.
Há também as startups, que viram a demanda crescer. A Supermercados Now – que foi comprada em janeiro pela B2W – teve aumento de 30% no número de pedidos. Já a Rappi viu triplicar a entrega de produtos de supermercado ainda no meio de março, quando boa parte das quarentenas e lockdowns ainda não estava em vigor.
Outras, como a Be My Eyes, democratizam o acesso de pessoas com deficiência a comprar à distância. O foco do aplicativo é conectar quem é cego ou tem visão limitada e voluntários dispostos a ajudar, inclusive a comprar.
O tal do “novo normal” de que tanto escutamos falar já chegou. Uma era que vai acelerar ainda mais o processo de digitalização nos países e melhor, espero, a vida das pessoas.
Ainda temos um longo caminho pela frente. Seja no combate à doença, na recuperação da economia ou desenvolvendo soluções que facilitem a vida dos consumidores.
Mas, por bem ou por mal, os primeiros passos já foram dados, especialmente no setor de supermercado. E esse parece ser um caminho sem volta.