A co-founder e CMO do Icomm Group, Ana Isabel de Carvalho Pinto, conversou com o E-Commerce Brasil sobre a criação do grupo, a fusão com o OQVestir e sua trajetória no e-commerce de moda ao longo de 16 anos. O Icomm surgiu oficialmente em 2017, com a união do Shop2gether e da Synapcom. Embora o grupo já operasse informalmente, foi apenas após a fusão que as operações de serviços e varejo foram separadas e o Icomm se consolidou como um grupo especializado em moda.
Uma combinação de concorrentes
A fusão não aconteceu por acaso, Ana relembrou o ano de 2017 e o movimento de mercado, no qual vários players estavam crescendo e outros ficando pelo caminho. Há sete anos, o comércio eletrônico ainda não era um grande canal de compra dos brasileiros. “O e-commerce começou como clube de compras ou como oportunidade de desconto. Não chegou nesse formato atual de comodidade, facilidade e serviço ao entrar no mercado brasileiro”, apontou a entrevistada. Naquele momento, enormes rodadas de investimento demandavam grandes resultados, o que resultou na derrocada de alguns sites. Para alcançar esses resultados, muitas empresas deixaram de tratar o e-commerce como serviço e o transformaram em uma simples oportunidade de negócio.
Para a executiva, “na hora que você faz isso, sua margem é comprometida para atingir o faturamento proposto ao investidor. Você vai ficando pelo caminho e vai perdendo o cliente se entrar num ciclo vicioso de ofertar apenas desconto.” Além disso, a demanda de um grande investimento em mídia também pode “comer” a lucratividade do e-commerce. Em síntese: caso o diferencial da empresa seja apenas o preço, sem incluir o serviço ou facilidade, é uma concorrência que não se paga.
Com o aumento da concorrência nesse ciclo, Shop2gether começou a conversar com o OQvestir. Ao acreditar em sinergias, principalmente entre os principais concorrentes, Ana acredita que a união dessas lideranças pode transformar essas energias em fortalezas. “Por que não trabalhar juntos? Por que temos que concorrer, se é muito mais custoso?”, questionou a CMO. “Havia um público pequeno para o tanto de oferta na época. Ainda não havíamos experimentado a pandemia e o consequente crescimento de usuários. Existiam ali muitas sinergias de negócio para ganhar escalabilidade, então foi um caminho ‘natural’”, completou.
Por falar em termos operacionais
Com a fusão, o grupo teve ganhos nas partes operacionais e comerciais, possibilitando uma expansão de mercado. A empresária acredita nos benefícios da união de duas empresas e foi categórica ao afirmar que “na expansão com duas marcas dá para fazer um trabalho de diferenciação entre ambas”, servindo até como um recurso para burlar a “ingratidão” no funil de conversão do canal, principalmente no setor fashion.
Segundo ela “ter dois e-commerces é o começo do funil, porque dá para ofertar ali uma coisa mais lifestyle, no outro uma coisa mais modinha, jogar essa pessoa e já fazer o filtro inicial. A conversão fica mais fácil do que jogar a pessoa em um e-commece que tem de tudo e o cliente precisar fazer a conversão. Então a gente olha para os e-commerces com essa mentalidade e isso possibilita uma experiência de compra muito melhor”.
No Shop2gether, é usada uma segmentação por estilo. Vamos aos exemplos: uma calça branca é apresentada com uma composição navy, mais elegante e clássica, enquanto no OQVestir, ela é contextualizada como tendência jovem e casual. A estratégia é “um mega trabalho e tem um alto custo de operação. Pegar produtos com o mesmo SKU e fazer essa produção, mas achamos essencial esse funil inicial, acreditamos que facilita e faz o cliente estar sempre fiel ao nosso site, uma forma de beneficiar ele indo além de beleza ou branding. É ofertar uma comunicação e um conteúdo que seja útil também. Hoje nosso drive é excelência de serviço”, enfatizou.
O grupo usa as redes sociais e influenciadoras para fomentar uma experiência de compra fluída para o cliente. Com a chegada da Inteligência Artificial, Ana comentou como “mais de 90% do investimento está no digital, tanto em redes sociais, mas também em tráfego pago.” Ela acredita que a maneira de expor as marcas nesses canais está relacionada à excelência do serviço.
“A gente não está ofertando ‘o’ produto. O serviço é o nosso diferencial. Uma pessoa que está comprando uma blusa de mil reais não se importa de pagar R$ 10 de frete.” Também tem as tentações do e-commerce, principalmente em relação aos descontos. Nesse aspecto, Ana foi pragmática: “se eu colocar um negócio com desconto ali, tenho certeza que o ROI daquela peça vai ser muito melhor que o da peça que eu não coloquei. Temos que ser guardião da marca e ralar para fazer essa defesa, porque senão caímos na vala comum.”
Na vanguarda da moda online
No Icomm, os fundadores do negócio também são os gestores. Hoje em dia não são muitas empresas que trabalham assim. A CMO acredita nesse modelo de gestão para trazer flexibilidade e rapidez nas tomadas de decisão. Isso abre espaço para a experimentação sem grandes investimentos ou passagens pelo conselho. Ela já testou lojas conceito e pop-up baseadas em suas próprias intuições sobre o mercado. “Eu diria que nossa história é pioneira não apenas porque fomos os primeiros, mas por continuamos testando todos os formatos com flexibilidade, agilidade, rapidez, não com uma grandeza de investimento.”
E nem só a moda vive de tendências; o mercado também tem as suas, e elas devem ser observada com o mesmo cuidado. Sobre o tema, Ana acredita na Inteligência Artificial, uma ferramenta que, segundo ela, “está invadindo nossas vidas de uma forma orgânica e não podemos, de maneira nenhuma, ter algum tipo de preconceito ou resistência a isso.” Ao relembrar o início do Shop2gether, antes do surgimento do Instagram, ela mencionou como houve uma resistência à adesão quando a rede social foi lançada.
Livre desses tabus com a tecnologia, o grupo recentemente fez para o OQvestir uma campanha usando apenas IA. A sintonia de Ana com as tendências não é recente. Em 2021, a plataforma lançou a proposta de jaquetas virtuais no projeto de novos designers. A executiva reiterou a necessidade de explorar a tecnologia sempre de forma orgânica e natural. “Eu realmente não consigo prever para onde isso tudo vai nos levar, mas eu consigo prever que isso vai facilitar muito o nosso dia a dia”, acrescentou.
Posicionamento no mercado atual
Quando perguntada sobre o posicionamento do grupo diante da crise do mercado de luxo e ascensão da economia circular, Ana disse acreditar na relação entre os dois temas. A moda deve expressar valores do comportamento atual, o “luxo com propósito”, disse a entrevistada. “Não acredito no luxo ostentação, não é um valor da sociedade atual. Então não posso vender um produto assim, não faz sentido para o meu negócio. Isso tem a ver com a circularidade, o luxo ostentação é um produto muito bem-vindo na circularidade porque, em algum momento, ele foi ostentação, mas hoje ele pode ser reaproveitado por um bem maior.”
É aí que o recommerce aparece como oportunidade de negócio. No Shop2gether, existe a “second shop”, seção para venda de itens vintage das marcas de alto padrão. Ao mesmo tempo, a plataforma também trabalha com importação e com marcas do mercado nacional, completando um portfólio de peças que dão match com a atualidade. Em sua crença na novidade, a empresária busca marcas de estilistas em ascensão, uma questão cultural do grupo: olhar para um designer muito antes dele ser uma marca já conhecida e consagrada. Ao investir nesse produto como um item diferenciado, o grupo exercita a proposta do “luxo com inovação”.
Em sua 12ª edição, o projeto novos designers é um incentivo para promover talentos emergentes da moda brasileira. A cada seis meses, são escolhidos de seis a oito designers do mercado da moda com potencial criativo de crescimento, eles criam uma coleção com o Shop2gether e as peças são expostas no e-commerce e em influenciadoras. “Isso é uma coisa importante para eles, o e-commerce traz visibilidade nacional e no fim eles passam a ganhar espaço. Acho que é o principal conceito do projeto: apoiar a moda para ela crescer”, disse Ana.
E o futuro?
Este ano, o grupo começou a ampliar o catálogo de moda masculina e estratégias de marketing com um investimento de R$ 40 milhões. Enquanto curadoria de produtos de luxo, as marcas Adidas Forum, La Martina, Calvin Klein White Label e US Polo integram a vitrine digital do marketplace. A empresária adiantou que ainda há novidades para 2024. Alinhados com o movimento do mercado, essa abertura para produtos importados e criação de marcas próprias mira na internacionalização, expandindo a venda para outros países.